Em 2002, no final do meu curso de Design, participei numa conferência sobre acessibilidade. Os testemunhos que ouvi de pessoas com deficiência motora, invisuais e em cadeira de rodas, impressionaram-me. Algumas eram situações que imaginei poderem acontecer, mas outras pareceram-me totalmente insólitas. Percebi, mais tarde, que algumas dessas situações são acontecimentos frequentes na vida de quem tem mobilidade reduzida e se tenta movimentar numa cidade.
Essa conferência inspirou-me a escrever o meu primeiro argumento. Nesta história, um dos objetivos era mostrar um dia normal de uma pessoa cega numa cidade, situações e até frases que costuma ouvir. Por outro lado, o personagem principal, que é cego, é aquele que tem uma maior presença de espírito e clareza na maneira como observa as situações.
Em boa verdade, muitas das grandes injustiças da sociedade estão relacionadas com o facto de não conseguirmos ver além do que estamos a olhar.
Embora seja um tema sério com situações bizarras e até confrangedoras, a história tem um tom de humor, trágico-cómico, como acredito que é a própria vida.
Em 2015, quando estava a realizar um filme para o projeto Ver pela Arte, conheci o Ruben Portinha. Desde aí, colaboramos juntos em alguns trabalhos. Conversamos sobre o meu argumento e até lhe pedi sugestões sobre atores com deficiência visual. Só anos mais tarde percebi que era o próprio Ruben a pessoa indicada para interpretar este papel. Não só pelo facto de ser cego, mas pela sua maneira de agir, sentir e observar.
Desafiei-o e ele aceitou imediatamente o papel.
Rita Féria
In 2002, the last year of my Degree in Design, I attended a conference about street accessibility. I got really impressed with the testimonies I heard from people with disabilities.
Some were situations I imagined that could happen, but others seemed totally bizarre. I found out later that most of these situations are current events in the life of people with reduced mobility.
That conference inspired me to write a script, my first screenplay. In this story, one goal was to show a normal day in the life of a blind person, situations, and even comments that they are used to hearing.
On the other hand, the main character, even though he’s blind, is the one who has a clearer vision of what really matters.
Unfortunately, many injustices in society are due to the fact that we have difficulty seeing beyond what we are looking at.
I met Ruben Portinha in 2005, and we’ve been working together since then. He’s a very talented musician, singer and songwriter. He is also visually impaired. Only some time ago I realized that he is also the best person to bring this character to life. Not only because of his experience but mostly because of his way of feeling, thinking and observing.
I spoke to him and, fortunately, he accepted this challenge.
Rita Féria.